O que iremos deixar?
Foi em olhares doces e ternos da minha mãe que eu cresci. Eu poderia dizer que minha vida foi difícil ou sofrida, mas seria muito injusta, porque se tem algo que ela prezava era pela nossa vida, e quando digo nossa, eu estou falando de mim, do meu pai e das minhas irmãs.
Em tempos de distanciamento social, uma certa dose de limitação sobre o nosso livre-arbítrio e muitas informações correndo solta pelo mundo das redes sociais, fica praticamente impossível não pensar nela.
O que ela estaria nos dizendo neste momento já que sabiamente tinha em suas palavras algo encorajador e motivador para nos dizer?
Minha mãe tinha muitas habilidades…
Entre elas cozinhar, é por isto que, toda vez que estou na minha cozinha preparando algo com atenção plena, é como se estivéssemos lado a lado, o que não é sempre.
E este texto tem sido uma elaboração, assim como a preparação de uma receita. Há dias penso em escrever sobre isto, mas fiquei atenta para não deixar alguma palavra caída dentro de mim. Por isto, tenho separado cada ingrediente para juntar no tempo certo e oferecer para degustação.
Minha mãe teve uma doença neurológica que na época ninguém sabia o que era. Não havia cura e nem o que fazer a não ser testar. Testar tratamentos radicais, visitar todos os tipos de crenças e religiões, acreditar em “falsos profetas”, admitir que sentíamos por muitas vezes um desespero pela impotência.
Seus movimentos eram limitados e continuariam a diminuir até um ponto que não teria mais o que fazer, sua fala ficaria mais difícil e sua respiração também. E ela? Olhava para mim e para as minhas irmãs e pedia que a gente tivesse calma.
Algo que podemos comparar aos dias atuais?
É por isto que tenho me lembrado dela constantemente, imaginado o que ela falaria neste momento e qual sua conduta. Uma das vezes em que eu operei meu joelho, tive que ficar dormindo na sala de casa, pois escadas estavam completamente proibidas, foi uma cirurgia que me limitou bastante por 6 semanas.
Em um dos dias que eu reclamava ela me respondeu: ” – a sua situação é temporária, logo logo você volta a andar normalmente” e eu entendi o recado e me calei, foi uma das poucas vezes que senti queixa da parte dela e ela tinha razão, era temporário.
Sabia bem disto ressaltava que se o que ela estava passando pudesse nos servir de exemplo positivo para algo, ela ficaria feliz.
O que iremos deixar?
Ela deixou seu legado que está dentro de cada coração que se conectou com sua palavra, mas e nós? De que forma iremos encarar este momento? Qual será a nossa grande jornada de ressignificação? O que ainda temos a aprender em tempos de distanciamento social e aproximação emocional?
São alguns meses, poucos, mas importantes para trazermos para nós habilidades adormecidas como a resiliência e a resignação ou outras que nem imaginaríamos ter. São novos tempos em um mesmo mundo que não será o mesmo.
O que podemos plantar agora para fortalecer em nossa colheira mais a frente? Quem somos no momento em que precisamos limitar nossos passos e caminhos?
Iremos deixar um mundo melhor, um recomeço, mais resistência e resiliência, mas jamais pesar. Foi isso que aprendi com ela e espero transmitir a você.