Frutas, verduras e bate-papos
Quando eu era criança, tinham dois passeios que o meu pai fazia comigo de tempos em tempos. Um deles eu adorava! A gente ia para o Parque do Ibirapuera e passávamos a tarde lá no playground brincando. E na saída eu ganhava um sorvete.
Já o outro me deixava irritada, mas minha mãe com todo jeitinho que tinha me convencia a acompanhar meu pai para ele não ir sozinho, era a feira. O que me deixava animada é que na hora de ir embora ele comprava pastel para mim, nota-se ai que o pensamento gordo sempre existiu dentro de mim, sendo feira, parque ou afins.
Do aperto entre as barracas até a gritaria dos feirantes, achava tudo ruim, porém, meu pai aproveitava para me ensinar a escolher frutas e legumes…
Conforme eu fui crescendo e acompanhando ele minha revolta começou a aumentar, pois já era moça e percebia alguns comentários dúbios vindo das barracas. Coisas que me deixavam sem graça e com raiva. Aquelas brincadeiras que sempre acontecem nestes locais. E decidi para mim que feira só faria em último caso.
Como na vida aquilo que rejeitamos volta, fui morar numa rua transversal a uma delas. Esta é bem pequena, mas vende o necessário para ter uma fruteira colorida. E além disto, feira tem um preço muito melhor que mercado.
E olha só que curioso: sou eu quem faço a compra do meu pai hoje em dia. Sou eu quem escolho suas laranjas, tomates, saladas e todo o resto. E graças a ele que hoje sei fazer isto.
Da revolta ao bate-papo
Com o tempo, os feirantes já nos reconhecem e sabem o que nós compramos, o que gostamos, quanto gastamos, se a compra é para a gente ou para mais alguém e deste modo, criamos uma relação amigável.
Como hoje eu trabalho em home office, toda semana lá estou eu e quando não, na semana seguinte eles mesmos perguntam o que aconteceu, porque eu não fui.
E esta introdução toda foi para lembrar três histórias curiosas que me aconteceram lá…
Chefe ou líder
Outro dia, um dos funcionários de uma das barracas estava muito bravo e como eu percebi brinquei com ele até que a senhora que trabalha junto comentou que estavam todos bravos com o chefe porque ele saía para tomar umas cervejas e deixava todo mundo trabalhando feito doido por lá.
Quando o chefe chegou começamos a conversar e então eu falei a ele que um chefe é aquele que apenas manda, mas um bom líder é aquele que incentiva seus funcionários e que os dele não estavam motivados. Ele olhou para mim envergonhado e disse que eu tinha razão. Que ia pensar no que eu havia falado.
Não importa se você trabalha num comércio de rua ou numa grande multinacional, ser líder é poder inspirar pessoas no que você faz, independente do que você faz. E o exemplo é a melhor maneira de incentivar os outros.
” – Por que você não quis se casar?”
Esta foi a pergunta de outro colega de lá. É o cara dos legumes. E ele fez questão de dizer que eu era inteligente, economista – porque deu umas dicas de como economizar – e ele não entendia porque eu não tinha marido.
Depois de rir bastante eu falei que devia ser justamente pela inteligência que não me casei, mas a verdade é que começamos a conversar sobre os relacionamentos de hoje em dia e como as pessoas esqueceram que relacionamento é um investimento diário. E ele foi me dando dicas do que aprendeu ao longo dos vários casamentos que teve. E mostrou ser muito mais sensível do que a voz grossa e super alta dele quando diz “3 pacote é 5” que eu escuto da minha casa.
” – Fia, você é estudada né?”
De todas as histórias que me aconteceram foi esta que mexeu mais comigo. Tem um senhor que possui uma barraquinha bem pequena na feira. Faz pouco tempo e vende pouca coisa. Não sei porque eu resolvi comprar o limão dele.
Assim que eu parei ele perguntou já afirmando que eu era estudada e me contou uma situação. A princípio eu não estava entendendo o que ele queria dizer, pois a fala dele é um pouco prejudicada por conta da falta de seus dentes.
Depois eu vi que ele queria me contar algo que aconteceu com ele e que marcou muito. A questão era que o filho estudou muito graças ao trabalho dele, mas que ele mesmo não pode estudar e quando grande o filho disse que ele não representava nada.
Falei para ele perdoar porque ele não sabia o que estava dizendo
” – E se for tarde demais?” – ele me perguntou
Eu disse que seria uma pena porque ia doer ainda mais quando ele se desse conta de que não deu tempo, mas o perdão por mais difícil que seja era o melhor caminho.
” – Sabe o que eu respondi pra ele? Eu disse que um dia ele ia ter filho e aprenderia a ser pai primeiro para depois poder dizer algo. Hoje ele tem filho e disse que está aprendendo a ser pai, mas eu não tenho raiva dele não. ”
– Não tenha mesmo, porque a própria vida direciona a gente e mostra o caminho. Se ele não aprendeu com o senhor a vida vai ensiná-lo. E não é o estudo que ensina uma pessoa a ser boa, isso vem com a gente.
” – É né? tá bom fia, boa semana!”
A gente não sabe de onde virá o aprendizado
Hoje eu agradeço ao meu pai por ter aprendido tanto quando ia à feira com ele. Aliás, no supermercado também. Meu pai me ensinou a conversar com todo mundo, de todas as classes sociais, de todos os perfis. Era conhecido por todo mundo no bairro que a gente morava, ajudava quem precisava e me fez não ter medo de falar com as pessoas.
Lembro que alguns dos “amigos” do meu pai viviam alcoolizados, mas sempre foram educados comigo. ” – é a filha do Fiore ne? Tudo bom? e seu pai como tá?”
Se hoje eu sou falante e encontro gente conhecida em todo lugar que eu vou é porque tenho um pai que anos atrás me mostrou o caminho. Eu até posso ter me perdido em alguns momentos por algumas palavras mais rudes que ele disse a mim, mas hoje eu vejo que a gente teve tempo para resgatar a parte boa. Aquela que eu levarei para o resto da minha vida.
A escuta é o melhor caminho
Em todas estas histórias a escuta ativa esteve presente. Ouvir não só com os ouvidos, mas com os olhos e o coração demanda intenção e amor. É desta forma que eu me sinto quando acontece um atendimento com o Conversas que Transformam.