De tempos em tempos, escrevo sobre os aprendizados que tenho tido em convivência com o meu pai que tem Mal de Alzheimer, mas já escrevi sobre a minha mãe, que foi e sempre será a minha referência de amor maior ou se eu tiver a plena consciência do significado da palavra, a minha referência de amor incondicional.
Minha mãe era o tipo de pessoa serena e pacata, porém não acomodada. Ela era portadora de esclerose múltipla, uma doença degenerativa, e lentamente foi perdendo seus movimentos. Lembro-me de, ainda pequena, ver minha mãe se escorando nas paredes para andar, mas esta lembrança é muito curta, pois o que mais me recordo era ela caminhando com o andador.
Antes dela adoecer, trabalhava num banco, mas ai quando se casou com o meu pai ele a proibiu de trabalhar. Era daquelas mãezonas, não só minha, de todo mundo. Super informada, à frente do seu tempo, sempre curiosa e querendo aprender. Embora não trabalhasse fora ela sempre estava inventando algo para monetizar: fez salgadinhos para vender, transcrevia áudios na máquina de escrever, envelopava correspondências, fazia crochê, entrava na internet (quando começou a ter esta maravilha), cozinhava muito bem e adorava ensinar todas as pessoas que vinham trabalhar em casa a cozinhar.
Mas fora toda esta sua disposição e vontade de viver, ainda hoje me surpreendo com a espiritualidade que ela tinha! Nós, somos em três irmãs, fomos tratadas desde pequena com homeopatia (coisa que na época era pouco divulgada), nos ensinava a não fazer promessa porque parecia chantagem com os santos, tinha uma escuta empática e sábia e tomava muito cuidado ao julgar alguém.
Jogava “tetris” aquele videogame de mão que toda barraquinha tinha e que você precisava juntar as peças iguais para que elas sumissem. E dormia com o radinho de pilha ligado, pois na época as notícias não eram tão velozes como hoje e era ela quem nos avisava logo de manhã sobre o que ia acontecer durante o dia: da previsão do tempo ao trânsito.
Não, minha mãe não era santa, mas tinha uma forma de acalmar o coração das pessoas que poucas pessoas tem. Ela que incentivou meu pai a fazer aula de dança de salão e por causa disto ele começou a ter uma vida mais saudável com atividade física. Lembro ainda hoje da cena: ele se arrumava, pegava as suas coisas, dava um beijo no rosto da minha mãe e ia para a aula.
Havia um voluntário da igreja católica que toda sexta-feira ia em casa fazer a “missa” da semana com ela. Lia a liturgia e conversava a respeito, depois rezavam. Uma outra amiga, ia fazer “do-in” nela. Um amigo meu fazia fisioterapia, meus amigos e namorados sempre sentavam e batiam altos papos com ela e todos eram unânimes ao dizer: ” – sua mãe é especial.”
Vi uma imagem outro dia que dizia exatamente assim: “tetris me ensinou que quando você tenta se encaixar você desaparece.” Minha mãe não sumia quando se encaixava com os outros, ao contrário, ela brilhava ainda mais, fazia-se ainda mais bela quando, com seu jeitinho, fazia todo mundo se encaixar onde era seu lugar, porém, isto é habilidade para poucos.
O que tentei, com este texto, foi alertar a nós mesmos que nos limitamos diante de obstáculos tão pequenos e esquecemos que existem barreiras físicas que limitam muitas outras pessoas, mas que em sua maioria são elas que nos dão o exemplo maior – que parar no meio do caminho é coisa da nossa mente.