Se tem algo que meu pai está ensinando para mim cada dia mais é o bom humor. O que às vezes soa como algo muito distante da lembrança que eu tenho dele quando eu era criança. Ele sempre estava estressado da volta do serviço e minha mãe sabia exatamente qual dia poderíamos ou não falar com ele: “- hoje não filha, ele está cansado, vamos deixar para outra hora.”
Nossa relação a vida toda foi de altos e baixos, mais baixos que altos. Minha sombra se encontrava nele nos piores momentos, nas frases mais duras que ele me dizia e isto resultava em dias (e muitas vezes até meses) sem nos falarmos.
Para reatar a relação meu pai comprava alguma comida que eu adorava, geralmente era mortadela (naquela época comia carne e frango). E ai do jeito mais orgulhoso de ser ele dizia ” – Keila, comprei mortadela pra você. Tá na geladeira” e eu birrenta e teimosa ignorava ou respondia que não queria.
O amor nos pega de surpresa como a mortadela na geladeira. A gente nunca sabe de que forma se manifestará, mas a nossa história sempre foi marcada por coisas assim.
Quando ele fazia feira eu pedia maça fuji (porque detesto maçã farinhosa) e ele reclamava. Hoje em dia, todo sábado ele me liga para dizer que comprou a maçã que só eu como porque ele não gosta e pede para eu ir na casa dele buscar senão vai estragar. E eu sempre digo que ele não precisava se incomodar e comprar porque eu não havia pedido. Agora o argumento é para me ver, mas continua tendo comida na história.
Voltando ao humor, eu percebi que ele ficou muito mais humorado depois do Alzheimer o que é extremamente incoerente uma vez que esta doença dá mau humor, irritabilidade, agressividade entre outras coisas que envolvem o emocional.
Toda vez que saio com ele para levá-lo ao médico é risada na certa (e alguns resmungos porque eu pego no pé dele): – pai tira a mão da orelha!, passou protetor solar?, escovou os dentes, tomou o remédio? E em todas as resposta ele dá uma tirada de sarro.
É como se de alguma forma ele estivesse em redenção e fosse a essência que era para ele ser a vida toda.
Desta vez que fomos ao médico ele soltou a frase que me fez pensar: ” – Filha eu brinco o tempo todo para ter uma vida mais leve!”. Eu nunca pensei que meu pai pertinho de fazer 83 anos e com uma doença neurológica diagnosticada há quatro fosse dizer o que iria me reverberar tanto.
É isto pai, brincar para doer menos, sorrir para sentir mais alegria e esquecer para ficar leve!
Que mensagem liiiiiiinda!!! 🙂
Gratidão!!! S2