Outro dia estava numa comemoração com amigos e lá havia um bazar afro.
Eu sou branca, loira, de olhos azuis e cabelos mais para o liso e simplesmente adoro as roupas, a arte, a expressão que se tem na afrodescendência.
Um parênteses – este é o termo correto, afrodescendente, mas meu amigos que não separo por cor, sempre chamei de nega, nego, negão e eles me chamavam de loirão e isso nunca foi uma afronta ou falta de respeito de uma das partes, mas utilizarei este termo porque muitas pessoas acessam a página e podem se sentir melhor lendo desta maneira.
Continuando a história do bazar, fiquei encantada por um macacão diferente. Ele é saruel, ou seja, o cavalo dele é lé embaixo, grandão e só no final que tem elástico na parte da canela ficando visualmente como um vestido.
A frase dele dizia ” solte o cabelo e prenda o preconceito ” e ela me tocou profundamente.porque eu já sofri preconceito em roda de samba, em festas black e em outros lugares em que a predominância são os negros e eu usar aquele macacão poderia sim ser uma manifestação para todo tipo de discriminação.
Fiquei com aquela roupa na minha cabeça a tarde toda, até voltar lá e pegar para provar. Minha amiga foi junto. Coloquei ele e na mesma hora ela disparou a rir descontroladamente. Sabe quando a gente tem ataque de riso porque algo é muito engraçado? Pois é, foi isso que aconteceu e eu nem tive coragem de perguntar se tinha ficado bom porque obviamente ela diria que não.
Como o banheiro não tinha espelho de corpo inteiro ela tirou uma foto minha… e quando saímos de lá ela mostrou para todos os amigos presentes que tiveram a mesma reação: rir descontroladamente.
Foi divertido para eles, mas eu confesso que para mim ficou um pensamento – será que eu consigo enfrentar a opinião das pessoas que eu amo e comprar esta roupa ou ficarei me sentindo mal cada vez que alguém olhar para mim e encontrar um palhaço?
Não peitei. Não enfrentei. Eu declinei. A cada dia que passa trabalho fortemente para ser eu mesma, encarar minhas fragilidades, abraçar meus medos e seguir viagem, mas este caso em específico eu realmente não consegui.
Na hora de ir embora todo mundo concordou que tinha ficado feio em mim e eu respondi que não tinha achado e que era uma forma impactante de expressão através da roupa e que eu tinha adorado. E então me perguntaram:
” – E por que você não comprou?
– Por que eu não suportaria que amigos olhassem para mim e caíssem na gargalhada.
Até agora penso naquele macacão, naquela frase e na minha vulnerabilidade. Muito provavelmente ao comprar o macacão eu guardaria no armário e não usaria nunca pensando no que os outros iriam pensar. E este foi o motivo de não ter levado ele para casa.
Respeitar nossas limitações também é um ato de amor. Não importa o motivo, mas a compreensão das nossas imperfeições e principalmente nosso acolhimento diante elas.
Amar a si é saber dosar coragem, limitações e recuos.
Bom dia, Keila. Se todos tivessem essa capacidade de reflexão sobre as próprias atitudes a lá Immanuel Kant (analisando os impactos sociais que tais atitudes geram) e ainda compartilhar isso na rede, nossa sociedade já seria mais evoluída. Perdoe-se por não ter “enfrentado” a opinião alheia, mas entenda que preservar-se é uma ação de amor próprio. Uma excelente semana e obrigada pelo texto.
Realmente em nossa sociedade atual e muito difícil ser você mesmo. Constantemente agredidos nossa personalidade. Mas o importante é sempre tentar. Buscar ser você, independente da situação em que se encontrar.Infelizmente ainda julgamos o livro pela capa, o semelhante pelo que ele possui e sua cor de pele.